A Semana da Independência, para nós brasileiros é, sem dúvida, um período cívico importante e simbólico no calendário do país. Ao planejarmos nossa programação de eventos, não deixamos de lado esse fator. Nossa paixão é caminhar, e assim decidimos que o Feriado da Independência deveria ter um trekking à altura - com uma aventura que já é minha velha companheira!
Ficou então formado um grupo de aventureiros - entre novatos e veteranos - e, de 3 a 8 de Setembro, seguimos para a Costa Sul da Bahia, a Costa do Descobrimento - considerada o berço da nossa história, buscando refazer os passos dos primeiros europeus a desembarcarem nessa terra tropical, que mais tarde seria chamada Brasil: a Travessia do Descobrimento!
Seguimos por praias, falésias, povoados indígenas e vilarejos, em uma trilha de mais de 500 anos, numa memorável jornada que nos levaria a uma reencontro com o nosso passado.
Cinco dias de caminhada, que se iniciaram em Cumuruxatiba e seguiram com destino em Trancoso. Nesse período, formamos uma grande família, cuidando e motivando-se uns aos outros, caminhando um dia de cada vez e pensando apenas no próximo passo.
Interagimos com os costumes dessa região fortemente influenciada por índios e europeus, essa é a aventura que fomos buscar na Bahia - considerada a mais bela travessia de praia do Brasil.
O relato a seguir acompanha nossa jornada. Não temos a pretensão de ser um "guia de viagem", mas uma coleção de impressões pessoais sobre a aventura, colecionados durante todas as ocasiões em que realizei a Travessia.
🏁 DIA 0 - ATÉ CUMURUXATIBA
Antes de lançar a data, é crucial observar a Tábua de Marés, de modo a diminuir as chances de nos depararmos com trechos da orla que estejam interditados por conta da maré alta, durante a caminhada - principalmente nas desembocaduras dos rios Cahy e Rio dos Frades.
Após um longo período de espera ansiosa, o grupo - formado por mineiros de Belo Horizonte, Juiz de Fora, São João del Rey, Itabira, Contagem e Ipatinga - iniciou na capital mineira a viagem até a Bahia, em um trajeto de aproximadamente 15 horas em micro ônibus, com várias paradas para descansarmos os ossos. Antes de chegarmos ao município de Prado/BA, onde almoçamos, o grupo já estava bem entrosado, formando os laços que mais tarde seriam importantes, no decorrer do trekking.
A estrada de Prado a Cumuruxatiba segue próxima do mar, num cenário que só se cabe em sonhos! Em vários momentos, uma grata surpresa à nossa esquerda: o avistamento do Monte Pascoal, primeira porção do Novo Mundo avistada pela esquadra portuguesa de Pedro Álvares Cabral.
Cumuruxatiba é na verdade um distrito de Prado, distante cerca de uma hora e meia do município. O percurso é todo em estrada de terra; alguns trechos ruins e esburacados, mas nada que impedisse o nosso curso - em tempo de chuva, todo cuidado é pouco, principalmente para veículos pequenos! Alguns trechos próximos de rios e mangues podem interditar completamente a pista.
Apesar dos problemas dessa estrada, optamos pela viagem terrestre, pois em comparação com uma viagem de avião, ficaria "elas por elas"! Do aeroporto de Porto Seguro até Cumuruxatiba, seriam cerca de 5 horas de estradas ruins - a BR-367 e a BR-101 até Itamaraju, a BA-489 até Prado e a BA-001 até Cumuruxatiba - e alguns quebra-molas que parecem ser filhotes do Monte Pascoal, de tão altos!... Fora o custo do taxi ou Uber para essa epopéia, que são bastante salgados! Um dos participantes veio de avião e se arrependeu, o seu bolso sofreu bastante rs.
Nota: no caso exclusivo do meu passeio, em que o embarque inicial ocorre em Belo Horizonte, sugiro sempre aos participantes de outros Estados a chegarem de avião até BH e de lá partirem tranquilos no micro ônibus, juntos ao grupo até Cumuruxatiba. Já na volta - como teremos chegado em Trancoso no final da Travessia - a pessoa vai de taxi até o aeroporto de Porto Seguro - meia hora, no máximo! - e segue pra casa. Aí sim, fica bem em conta e muito mais prático!
A chegada em "Cumuru" foi um alívio para tamanha ansiedade do grupo. O pessoal foi logo se instalando nas acomodações da pousada - um local rústico e muito agradável administrado por um suíço bom de prosa - e, após um breve descanso, já se puseram a bater perna! Nos reagrupamos à noite, durante o jantar - uma deliciosa moqueca, que lambemos os beiços. Lógico, todos queríamos aproveitar a vida boa ao máximo, pois na manhã seguinte teria início a nossa longa caminhada! Uns tocavam violão e tomavam cerveja, outros apreciavam a noite estrelada no gramado da pousada em frente ao mar, cada qual com seus sonhos e expectativas para a manhã seguinte.
Haveria um veículo de apoio para levar as malas e barracas dos participantes até os pontos de apoio. Um auxílio providencial, que deixaria nossa caminhada mais leve, para curtirmos a aventura, tomarmos banhos de mar sossegados, sem um peso incômodo nas costas.
🏁 DIA 1 - DE CUMURUXATIBA A CORUMBAU/BA
Ansiedade e emoção marcaram o primeiro dia de nossa jornada. Iniciamos a travessia bem cedo - por volta das 6:00 - e, logo após passarmos pela Praia do Pier, uma chuva intermitente e morna nos acompanhou por pelo menos uma hora, lavando a alma e refrescando o grupo. Todo o início da Travessia essa chuvinha nos encontra no mesmo lugar e na mesma hora - ela é bastante comum na região. Já é velha companheira...
Na língua tupi-guarani, a palavra Cumuruxatiba serve para descrever a diferença entre as marés alta e baixa ao longo do dia. É justamente esse movimento que revela atrações como a larga faixa de areia entre as praias do Peixe Pequeno e do Peixe Grande.
Enfim nos deparamos com a Barra do Cahy, a praia onde a frota de Pedro Álvares Cabral aportou, sendo saudada pelos índios, na primeira interação entre duas civilizações tão distintas. Paramos em uma choça para descansar e lanchar. E, claro, tiramos muitas fotos do lugar - uma cruz e uma placa próximas demarcam a importância histórica do local.
Nos detemos um pouco nessa praia, e como não pensar nos inúmeros acontecimentos - históricos e cotidianos, bons, ruins e controversos - que ocorreram nesses 500 anos de relacionamento entre culturas contrastantes, até formarmos uma nação brasileira nos moldes da atualidade?...
Bom, Corumbau está bem próxima. Praias lindas e desertas: um banhista aqui, outro ali, apenas! Após alguns imprevistos, seguimos por uma rota alternativa, que também nos levou ao final de nosso primeiro dia, até Corumbau, ao nosso ponto de camping.
Corumbau, em tupi-guarani, significa "o fim do mundo e o começo da terra". É um vilarejo também pertencente a Prado, que ainda mantém a pacata rotina, com casas simples e uma dúzia de ruas de terra.
A partir desse dia, nossos pontos de apoio e dormida seriam em campings estruturados - uma questão de logística e autenticidade da experiência - a maior parte das pousadas existentes nos obrigaria a nos distanciar bastante dos nossos pontos de reinício da atividade pela manhã. Em Corumbau, a parada é na simpática Vila Segóvia, já velha conhecida dos campistas, onde o proprietário Mauro Segóvia nos aguarda. A Vila é um local bem aconchegante - possui um restaurante bem decorado, pontos de luz e energia no camping, locais para banho quente e algumas casinhas, usadas por quem não deseja acampar. Na hora de montagem das barracas, os mais experientes ajudam os novatos na tarefa. Para os já cansados caminhantes, uma sequência renovadora: banho, janta e sono!
O saldo nesse dia foi de 23km de caminhada. Ainda faltam Caraíva, Curuípe e Trancoso para conhecermos...
🏁 DIA 2 - DE CORUMBAU A CARAÍVA/BA
O segundo dia da aventura nos reserva cenários incríveis, como a Ponta do Corumbau, um lugar maravilhoso onde a terra avança em direção ao mar, durante a maré baixa. Dá pra se caminhar até bem distante da praia, mantendo os pés ainda secos! Os barzinhos super agradáveis com seus quiosques decorados seduzem o pessoal.
O manguezal, as ruínas de uma casa outrora tragada pelo mar, a Aldeia Indígena Bugigão e seu artesanato étnico também nos enchem os olhos - e os curumins não perdem tempo, nos oferecendo as mais diversas quinquilharias: "ficou lindo em você!", "combinou com sua roupa!"...
Atravessamos de barco o Rio Corumbau até chegarmos à aldeia. Após atravessarmos a vila pataxó, nos deparamos com numerosos buggies que levavam os turistas de Caraíva a Corumbau, e vice-versa. E a caminhada transcorre...
Um céu azul e sem nuvens, que ao fim do horizonte encontra-se com o mar de uma tonalidade incrivelmente esmeralda! A praia bastante inclinada e a areia fofa prejudicam nossa progressão - mas o visual faz o contraponto. Quanto mais nos aproximamos da Vila de Caraíva, as casas, bares requintados e banhistas começam a se avolumar.
Sim, "foi chão!" até enfim chegarmos ao renomado vilarejo de Caraíva, tido como "refúgio de celebridades", com suas ruas de areia, carroças, bares e casas coloridas - parece que querem competir entre si pelo título do estabelecimento mais elegante!...
Nesse dia, assim que o grupo chegou ao camping - que fica na região da comunidade indígena Xandó - prontamente levantou suas barracas, lavou as roupas, tomou banho e "sumiu" para a região dos bares de Caraíva, aproveitar o clima do lugar.
Para não interferir na paisagem, toda a fiação elétrica da vila é subterrânea, e cada morador ou comerciante ilumina a sua porta como mais lhe agradar. Além disso, o trânsito de veículos automotivos na vila é proibido, o que ajuda a conservar a rusticidade do lugar. Carros, só em Nova Caraíva e após a praça próxima à entrada da vila.
A noite é uma criança, em Caraíva! Um lugar propício ao encantamento. Cada participante buscou seu recanto preferido: alguns seguiram para o Bar do Pará, outros aguardaram pelo arrasta-pé no Forró do Pelé, e os que ficaram aqui e ali, explorando as ruazinhas e provando das iguarias baianas naquela vila mágica!
Os que chegaram mais cedo, aproveitaram para que eu lhes avaliasse os pés e fizesse algumas massagens com loções balsâmicas, para impedir ou diminuir a progressão de bolhas - meio guia, meio pajé, curando os enfermos...
🏁 DIA 3 - DE CARAÍVA A CURUÍPE/BA
A despeito da noite badalada, a manhã começa preguiçosa em Caraíva. Após o Café, uma carroça desceu ao pier com nossas malas e tralhas que seriam levadas de barco até o outro lado do Rio Caraíva. Enquanto isso, observamos a tranquilidade da vila nesse início do dia, e pudemos perceber agora o quanto ela se assemelha aos nossos distritos e vilarejos mineiros: a orquestra de passarinhos conversantes, as casinhas simples de portas e janelas de madeira, a igrejinha antiga e o vira-lata que dorme serenamente aos pés da velha quaresmeira...
Ao cruzarmos de barco o Rio Caraíva, nos aproximamos do trecho mais emocionante da aventura, quando caminharemos por cima de falésias, avistando horizontes e mares em mirantes no meio do caminho.
Hora ou outra cruzávamos com pessoas que seguiam em direção à Praia do Satu. Sua areia misturada ao que se assemelha a pó de minério confere manchas escuras à superfície.
A menos de 2km de Curuípe, paramos em um dos únicos locais sombreados do percurso. Enquanto uns lanchavam, outros se dirigiram para a costa, observar famílias de tartarugas marinhas que faziam seu espetáculo para os mineiros contemplativos. Ora ou outra uma cabeça ou casco emergiam próximo à praia, chamando a atenção do povo atônito.
Após 12,5km de caminhada, o destino do dia é o vilarejo de Curuípe, que abriga uma das mais belas praias do Brasil: a Praia do Espelho! Um mar incrivelmente verde, com grandes bancos de corais e pedras que formam um espelho d'água natural. Lindo de se ver - imagina entrar num lugar desses!...
Os bares e restaurantes na orla do Espelho, finamente decorados e hospitaleiros e a praia ao tipo das mais belas ilhas tropicais, são um convite à tentação de ficar por tempo indeterminado... mas ainda temos um último dia de travessia! E os preços nada convidativos das bebidas e aperitivos afugentam os incautos!...
À noite, a dona do camping onde nos hospedamos prepara um jantar digno de quem já andou léguas e léguas! Tudo muito bom, o lugar é de uma tranquilidade, tudo muito bem cuidado - inclusive a área de camping, toda gramada e plana, com banheiros de água quente próximos!... E ainda nem falei da família da proprietária, que trata o nosso grupo de aventureiros com toda a cortesia, atenção e afabilidade! É algo que não tem preço!... Esse camping, aliás, fica em cima de uma falésia de frente para a Praia dos Espelhos lá embaixo, imagina só!
Sempre sinto como um desafio, retirar o grupo desse camping tão agradável, pela manhã. Mas dever é dever...
🏁 DIA 4 - DE CURUÍPE A TRANCOSO/BA
Trancoso.
Nosso último destino da travessia é um dos vilarejos mais antigos do Brasil, fundado por jesuítas em 1583. Fica a apenas 80km de Porto Seguro, e é famoso pelos seus resorts e hotéis de qualidade à beira-mar. A vila chamada de Quadrado, fica no alto de uma falésia, onde há restaurantes, bares, conveniências e lojas distribuídas nas casinhas coloridas. Curiosamente, o lugar só foi tirado do anonimato e isolamento em 1970, quando de sua "redescoberta" pelos hippies.
Um misto de alegria e senso de dever cumprido, mas também uma pontada de tristeza por saber que o momento de despedida dos amigos/irmãos de trilha se aproxima!...
Minha impressão, de quem conheceu e interagiu com todos do grupo, é de que eles não escolheram a Travessia; a Travessia os escolheu! Cada um precisava estar ali, viver aqueles momentos, realizar sua "travessia pessoal"! As expectativas romantizadas de cada um sobre essa jornada não refletiriam afinal, à realidade apresentada dia após dia - pequenos conflitos, bolhas nos pés, dores nos ombros, pernas e quadril, assaduras nas virilhas, Sol no lombo - mas também, e por isso mesmo, mágica e transformadora.
A despeito de todos os obstáculos e desafios, os grupos que se formam nessa travessia são irmandades duradouras, pessoas que se motivavam umas às outras, confidenciavam, riam, descansavam, se ajudavam e sempre, no despertar da manhã, se dispunham a seguir adiante, sempre em frente! E sempre juntos.
A caminhada de 19km até Trancoso nos apresenta belas praias pelo caminho, como as de Jacumã, Itaquena e dos Coqueiros, além de paisagens de perder o fôlego. Um ótimo dia para caminhar descalço e se deliciar com as águas quentes das praias!
Seguidamente à nossa transposição de barco pelo Rio dos Frades, já estamos bem próximos de Trancoso, e aos poucos vemos banhistas aqui e ali - sempre a nos olhar como se fôssemos loucos ou extraterrestres, com as suas mochilas e o andar cansado, porém determinado! Mas uma boa parte incentivava o grupo e tirava fotos "dos caras que começaram lááá em Cumuruxatiba!..."
Alguns visivelmente cansados nos poucos quilômetros que ainda restam - afinal, foram quase 75km caminhando nesses últimos dias! Conhecemos pessoas, lugares e costumes, travamos batalhas pessoais para continuar em frente.
Cada um com sua motivação pessoal. Muitos caminhavam em silêncio, buscando se lembrar dos motivos que os fizeram largar família, casa, trabalho, cotidiano para encarar uma jornada tão longe do lar! Motivações que eram combustível para prosseguir.
E os banhistas se avolumavam! Imagina só, o coração como fica com a vibração de desconhecidos que os aplaudiam, enquanto seguiam resolutos em direção ao fim da travessia!...
O término da Travessia do Descobrimento não poderia ser mais apoteótico! Por volta das 15h, em frente à Igreja de São João Batista, no Quadrado, um final de muita emoção, alegria e depoimentos comovidos! Fizemos o que viemos fazer, demos o máximo de nós mesmos - todo o suor foi válido, e a conquista nos mostrou isso!
Dali seguimos serenos à pousada, tranquilos e arrefecidos da atividade e do Sol bravio. Parece que o cansaço contínuo, a partir daquele momento final, se abateu em todos - os passos combalidos denunciavam. Mas nada que um bom e demorado banho quente não remediasse!
À noite, Trancoso se veste diariamente em clima de festa, num misto de Milho Verde, Lavras Novas e Lapinha da Serra - vilarejos típicos do interior mineiro. Não é difícil se encantar pelo lugar! Aquele pessoal animado nas mesas dos bares do Quadrado, nem de longe lembrava quem caminhou vários dias!...
Após um renovador descanso - dormimos o sono dos justos e acordamos prontos para outra! Uns ficaram mais dias curtindo a região de Trancoso, Arraial d'Ajuda e Porto Seguro, e dali seguiriam para casa de avião.
Enfim, após cinco dias de caminhada, desafios vencidos e amizades conquistadas, nos despedimos de nossa Travessia do Descobrimento - dos mineiros que foram à Bahia redescobrir o Brasil!
Veja o Registro Fotográfico completo dessa aventura: photos.app.goo.gl/tDEMCEDKyKXQtqBE8
Veja abaixo que emocionante depoimento a amiga Carla falou sobre a Travessia do Descobrimento!
Fotos: Marco Santos e Marcos Gacê
Já considerou ser Você, o protagonista dessa história emocionante pela Costa do Descobrimento? Caminhando por uma região de emoções e belezas naturais?
Então confira os detalhes de nossa próxima saída para o TREKKING DO DESCOBRIMENTO, em 2022.
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