Uma aventura extrema: é como podemos resumir a Travessia da Serra Fina - trekking que leva o caminhante a oscilar continuamente entre o êxtase e a exaustão.
Não é à toa que a chamam e "a travessia mais difícil do Brasil". Essa fama remonta da década de 1990, quando poucas pessoas se aventuravam pela trilha e a vegetação, ainda mais rebelde, tornava a travessia bastante angustiante.
A travessia clássica tem a duração de quatro dias, incluindo três pernoites em formato de camping selvagem - esse é o modelo que optamos por realizar, pois permite curtir com calma todo o esplendor da aventura e seus cenários arrebatadores.
Localizado entre as cidades de Passa Quatro e Itamonte, na Serra da Mantiqueira, divisa de Minas, Rio de Janeiro e São Paulo e sustentando mais de 12 cumes acimas de 2 mil e 200 metros de altitude, a Travessia da Serra Fina é considerada pelos montanhistas como a Top #1 do Brasil e a Top #5 da América Latina, atraindo pessoas de todos os cantos do Brasil e do mundo.
O caminho percorre algumas das montanhas mais altas do Brasil e, em um sobre-desce interminável, atravessamos o Pico do Capim Amarelo, a Pedra da Mina e o Pico Três Estados
Dia 1
Da Toca do Lobo ao Capim Amarelo
O início da aventura deve ser realizado bem cedo, preferencialmente pouco antes do Sol nascer, a partir do lugar conhecido como Toca do Lobo, em Pinheirinhos, distrito de Passa Quatro, em Minas Gerais. O nosso destino nesse primeiro dia será o alto do Capim Amarelo. A partir da Toca do Lobo, o percurso será de aproximadamente 6,5km, com altimetria acumulada de 1.400m.
O nível de dificuldade desse dia costuma assustar alguns aventureiros, pois não há nenhuma trégua pelo caminho. São aproximadamente 7 horas de ascensão contínua e exaustiva - o corpo ainda está frio e, além do peso da mochila, há poucos pontos de água pelo caminho.
Mas o cenário compensa: vemos ao longe cadeias de montanhas próximas dos municípios de Cruzeiro, Queluz e Passa Quatro, num visual incrível.
Após quase duas horas de caminhada, nos deparamos com um cenário espetacular - o trecho conhecido como o Passo do Anjo, logo após o Quartzito. é de impressionar, essa trilha serpenteando na crista da montanha e sumindo pouco antes de chegar à próxima ascensão.
Prosseguindo a cansativa jornada, o ponto de camping habitual é no Pico do Capim Amarelo (2.491m), uma formação de cume ovalado, cercado pelo capim-navalha e com alguns pontos onde se podem armar algumas barracas.
Dia 2
Do Capim Amarelo à Pedra da Mina
O segundo dia da aventura deve começar bem cedo, logo após o café. O destino será o quarto ponto mais alto do Brasil, a Pedra da Mina (2.798m). A caminhada continua pesada, mas possui alguns trechos mais suaves - cruzaremos alguns vales, lajeados e charcos, mas sempre na crista da serra, deparando por vezes com capim elefante, bambuzinhos rebeldes e o capim-navalha, que podem, por vezes, desorientar o caminhante e atrapalhar a marcha.
Durante praticamente toda a caminhada a Pedra da Mina fica visível, mais a leste, nos orientando para o destino do segundo dia. Pouco antes do ataque ao cume da Pedra da Mina, pode-se fazer uma parada de coleta de água em várias nascentes, como a do Rio Claro.
Para vencer a última subida do dia, é necessário calma, pois ela é muito forte e íngreme, e com bastantes zigue-zagues, por vezes sendo necessário o uso das mãos.
Chegando à Pedra da Mina, após quase 8km de caminhada, o cansaço logo dá lugar ao êxtase, um misto de sentimentos de conquista e deslumbre, por estar em um lugar tão imponente e belo!
E não é que de lá do alto, dá pra se avistar o magnífico Pico das Agulhas Negras e o Maciço das Prateleiras? Poucos quilômetros nos distanciam dessas montanhas, situadas no Parque Nacional do Itatiaia. Uma energia vibrante toma conta de todos, mas a pausa para descanso e contemplação deve ser breve, pois logo irá anoitecer e o acampamento deve ser montado sem demora. A noite na Pedra da Mina costuma ser bem gelada, mas quem se arrisca a sair de sua barraca, é brindado com um dos panoramas mais belos do Brasil, um céu incrivelmente estrelado e límpido!
E o silêncio absoluto que reina de madrugada é de emocionar quem mora em cidade grande!...
Dia 3
Da Pedra da Mina ao Três Estados
De manhã, as pessoas se aglomeram no cume, para apreciar o nascer do Sol, que ocorre logo atrás do Agulhas Negras. Alguns correm para o Livro do Cume, deixando lá o seu registro da passagem pelo maravilhoso lugar.
A aventura desse dia tem por objetivo chegar ao Pico dos Três Estados e, por lá, armar acampamento. Uma jornada cansativa, mas bem menos do que nos dias anteriores. Serão 6,5km para caminhar em uma altimetria acumulada de 730m, aproximadamente.
Reiniciamos calmamente a nossa caminhada em direção ao Vale do Ruah.
O Vale do Ruah é, ao mesmo tempo, encantador e enigmático. Do alto da Pedra da Mina, parece ser uma região de gramíneas, mas após meia hora de descida, descobre-se que se trata do capim-elefante, com quase dois metros de altura, cobrindo todo o caminho e dificultando a progressão da caminhada. Não raro muitas pessoas se perdem nesse labirinto de capinzais. É comum ainda caminharmos sobre crostas de gelo nesse trecho - sinal de que a madrugada anterior foi bem fria!
Durante a passagem pelo Ruah, passaremos pelo rio Verde - é muito importante que o caminhante se abasteça bem nesse momento, pois a água servirá para o restante do dia, para o preparo do jantar e do desjejum, além de boa parte da caminhada do dia seguinte!
O destaque desse dia vai para o lugar conhecido como Cupim do Boi, onde se pode descansar e apreciar a arrebatadora vista para o Pico Cabeça de Touro à nossa direita. Mais à esquerda, o Agulhas Negras, cada vez mais próximo. E, avançando o olhar, uma formação curiosa que lembra a barbatana de um tubarão, denominado Pedra do Picu.
Após a passagem breve por um trecho de bambuzal, realizaremos uma escalaminhada como ataque final ao Pico Três Estados, onde faremos o acampamento.
O Pico Três Estados é a décima primeira montanha mais alta do Brasil, com 2.656 metros de altitude, e o nome é uma referência ao seu marco de tríplice fronteira entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Dia 4
Do Três Estados ao Sítio do Pierre
O último dia de nossa épica jornada pela Serra Fina será menos cansativo que os demais, mas não pense que será fácil! Apesar de estarmos descendo, teremos breves e íngremes subidas, com destaque aos picos Bandeirante e Alto dos Ivos. Serão percorridos quase 11km em uma altimetria acumulada de 380m, aproximadamente, passando por bambuzais, lajeados e trechos de capim-navalha e vegetação rebelde.
No final, a vegetação faz uma abrupta transição para a Mata Atlântica, com árvores altas, bromélias e barbas-de-velho em alguns pontos - além de muitos fungos, líquens e cogumelos de formatos e colorações variados.
Como já foi dito, esteja abastecido de água suficiente para a caminhada, pois o único ponto de coleta será no Sítio do Pierre, já quase no fim da travessia.
A chegada ao Sítio do Pierre é cercada de emoção e contentamento, mas ainda faltam cerca de 20 minutos até chegar à estrada da BR 354, onde comumente vans e carros de resgate aguardam pelos "Aventureiros da Serra Fina".
Apesar da curta extensão - totalizando pouco mais de 30km - a Travessia da Serra Fina é bastante exigente com seus desafiadores, pois além da escassez de água, intensa variação altitudinal, noites geladas e vegetação densa, soma-se ainda o peso da mochila e o racionamento da comida.
Mas essa aventura de gente grande é, sem dúvida, uma das experiências mais incríveis e intensas que o ser humano pode viver. O sentimento de superação contínua, a palavra de conforto e motivação dos amigos, o visual extremamente generoso e belo... vale sim, cada segundo, cada suor derramado nas pedras da Mantiqueira!...
Essa é a lendária e desafiadora Travessia da Serra Fina!
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